quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

A concepção de um projeto artístico na Internet

Minha experiência, como cientista da informação, incluiu uma oportunidade única em tentar viabilizar um projeto de valorização artística, com a comercialização de produtos. Esses produtos seriam comuns, se não fossem contemplados com a estampa de desenhos artísticos em superfícies tão diferentes quanto uma caneca, uma t-shirt ou produtos impressos em papel.

Entre 1999 e 2003, atuei como arquiteto e gestor do site da ArtNat, que foi uma iniciativa criada com o objetivo de divulgar o trabalho de um artista, especializado na produção de desenhos figurativos com a temática da brasilidade (fauna, flora, manifestações culturais regionais, indígenas e manifestações da natureza).

Como parte do método de viabilização do empreendimento estruturou-se uma entrevista com o autor das obras. E esse passo foi primordial para que o gestor (eu) pudesse traçar uma estratégia condizente com um modelo de negócio de difícil percepção cultural, já que a arte não é vista como objeto de consumo por grande parcela da população, impondo-se assim como uma barreira subjetiva. Além de traduzir-se em um modelo de difícil implantação, pela imposição de uma série de barreiras práticas (recursos financeiros, materiais e tecnológicos e a escassez de tempo).

De qualquer modo, a entrevista é um bom exemplo de como posicionar um projeto no campo digital. A partir disso, tracei toda a estrutura (arquitetura) de como deveria ser um site de conteúdo artístico. Segue a entrevista.

Atualizada em: Ter, 05 Maio 2009
Entrevista com o designer de superfície Carlos Roberto Nathansohn

Designer de Superfície



1. Como surgiu o interesse pelo desenho com lápis de cor?
Por não ser um fato datado, é de difícil precisão. Acho que pelo empenho com que me dediquei a vida inteira ao desenho e o prazer com que me realizo desenhando, o despertar deve estar inserido no código genético. Ou de uma outra forma, um condicionante da espiritualidade. De qualquer forma e de caráter permanente, uma vez que se manifestou desde os primeiros rabiscos enquanto criança. A opção pelo material é que foi de fato uma conquista.

2.
O que motiva vc. a desenvolver determinada temática?

Interessante a presença de três aspectos neste meu sendero. Veja bem que associo a atividade artística à minha própria existência. São indissociáveis.

A fundamental, desde criança, a presença das coisas e cores do Brasil como temática das minhas criações. O Rio de Janeiro, por exemplo, é como um vício de origem e já o retratei de vários ângulos.

A segunda, a presença da fotografia em meus trabalhos. Como elemento detonador da inspiração, tornando-se desafiadora a interpretação à mão-livre. Literalmente, me sinto desafiado a reproduzir com a habilidade do traço solto o instantâneo flagrado pela foto. Não se trata de uma cópia porque é apenas o início de uma viagem. O resultado final pode ficar bem distanciado da plástica do instantâneo.

A terceira grande temática fez de mim, artista-surfista, a convivência em deleite do balanço das ondas. Passei grande parte de minha vida dentro d'água, por longos anos, no deslizar maravilhoso sobre uma prancha. A fantástica energia dissipada, desde as fortes ondas do "quebra-côco" das nuvens de íons à plasticidade das ondas oceânicas em Jaws ou Maverick, agora surfadas com o traço do lápis de cor. Como diz o nosso amigo Márcio Bacana, eu realmente tenho o surf na alma.

Num curso de estamparia que fiz no Senai coloquei que a riqueza de cores, o sol e os movimentos rítmicos deveriam fazer de nós um referencial permanente da moda em nível mundial. Dessa forma soube que quem dita as cores da estação são as indústrias químicas de corantes, na Europa, do frio e escuro hemisfério Norte.

O nosso Grito do Ipiranga, também nas artes, ainda não aconteceu.


6. Fale um pouco sobre a sensação de desenhar. O que é desenhar para vc.?
A sensualidade do lápis tomando a textura do papel é algo indescritível. Ao lápis ainda permito uma certa flexibilidade entre o Caran D'Ache e o Faber-Castell, mas a preferência pelo papel SchoellersHammer 4R é insubstituível. Essa sensação pelo tato me afastou do aerógrafo pois o pincel já havia sido inviabilizado pelo cheiro da tinta. O desenrolar da tarefa é pautado pela permanente sensação do desenho inconcluso. É ela que me empurra para o enfeixamento da arte. Pronto! A obra concluída sem mais um traço. Fim. Não tem prazos nem pressão pela hora da remuneração. Tem empenho, literalmente em pé na prancheta, que chega a 12 horas por dia. De pé para a visualização à distância e em todos os ângulos. O último traço, o papel está saturado de cores em harmonia. O prazer foi alcançado e só então me sinto liberado para outro. Deixo claro que não houve trabalho. Depois de conhecer a origem etimológica do latim tripalium, evito o seu uso mais comezinho. Parêntesis, recomendo a leitura do Manifesto Contra o Trabalho, do grupo alemão Krisis. Tem tudo a ver com a sustentabilidade do artista, sua autonomia e a atuação dos intermediários de seu esforço. Seu público-alvo, admiradores do que produz, por vezes não estão ao alcance de suas obras por absoluta falta de espaços, públicos, desorganizados ou falsamente formalizados ou privados e monopolizados.
Houve emoção e transpiração e um certo planejamento intuitivo que não sei de onde vem, mas que permite a um cartesiano roteiro de início, meio e fim, não necessariamente nesta ordem e a tempo.

7. Que desenhista, ou outro artista famoso, vc. mais admira e por quê?
Aqui também se exprime a formação "fazendo". Admiro o jogo de luz fantástico dos holandeses do século XVII, Portinari, o traço livre do Lan, a delicadeza de Carybé, as cores do Romero Britto, a pintura fantástica de Salvador Dali, a técnica dos artistas naturalistas Eduardo Brettas, Margareth Mee, Maurício Barbato e da família Demonte, as obras hiper-realistas de Jorge Eduardo ou dos mestres do aerógrafo, e o Brasil tem excelentes. O que me move na admiração de uma obra é, além da criatividade e plasticidade, a percepção do duro empenho perfeitamente concluído. Sou um perfeccionista duplamente neurótico, por mim e pelos outros artistas.

8. Se tivesse que definir o artista Nathansohn através de sua própria obra, que tema e ferramentas identificariam com perfeição o seu traço?
Uma definição construída em momentos. Os ritmos, cores e movimentos das expressões folclóricas, das belezas naturais, do patrimônio histórico-cultural do Brasil e ... as ondas, que surfo ainda hoje com o mesmo tesão, só que agora ‘dropando’ com o lápis de cor! Me recordo da riqueza vivida na aldeia de pescadores em Itapema, Santa Catarina, na década de 70. Ao fotografa-la e depois a inspiração desses registros nos desenhos em aguada.
Seria um privilégio a possibilidade de multiplicar tais iniciativas pelo Brasil.

3. Como vc. classificaria seu estilo de desenho? (i.e. naturalista, figurativo etc..)
Desenho de traços libertários. Sem compromisso com correntes, autodidata, aberto a novas incorporações a que estimule a sensação de harmonia das cores, da radicalidade nos movimentos em que se produza a sensação de plasticidade própria, limpa e com profusão de cores, no limite. Daí a incorporação do computador como ferramenta de traços. Apesar de ter uma visão crítica de que se trata de instrumento de guerra, de dominação, de ser o aparato que viabiliza a globalização financeira planetária, faço do mouse o meu lápis de cor, pincel ou aerógrafo eletrônico. O lápis traduz mais a suavidade das cores em contraposição à rudeza afirmativa da máquina. A flexibilidade no executar e o resultado final com a máquina, me situa ratificando a pesquisa de 68 entre o físico da USP, Giorgio Moscati e o artista plástico concretista Waldemar Cordeiro, "ligando o humanismo com tecnologia nos pareceu uma contribuição para ajudar a criar um diálogo entre estas duas culturas distintas que se comunicam com tanta dificuldade e desconfiança mútua."
Taí, o tema para um debate com profundidade. Me fascina a troca de idéias no enriquecimento pelo diálogo.

4. Como vc. gostaria que os outros vissem sua arte?
Como a correspondência entre o momento do artista e de quem observa sua criação é uma via de mão dupla não necessariamente correspondida, a postura libertária aqui também se manifesta, agradável quando sensibiliza e indiferente quando contrária. É uma atividade profundamente individual, com forte dose de autismo, onde o fechamento do esforço importa muito mais a quem o executa. À conclusão de uma proposta gráfica torna-se inadmissível a alteração por razões de cunho também individualista de quem a propõe ao observa-la de fora.
Explico melhor. Quando da cor de fundo, selecionada em dedicação exclusiva por um pinçar de 50 horas só para ela, a interferência na reprodução do tipo, "retirei a cor do fundo porque achei mal formulada" pode soar como uma agressão à obra. Este fato é real e se dá com certa freqüência. Já ouvi inclusive o questionamento do "por que só V. pode achar tal cor, a melhor?" Como pagaram pelo serviço se arvoram autorizados a modificá-lo. É a visão neoliberal como imposição à pseudo-propriedade da criação. Trata-se de um corolário da ditadura do mercado, de quem adquire momentaneamente o seu passe e de posse dele pode tudo. Sei que é um desenho elitista o que me deixa um pouco incomodado, na medida em que gostaria de populariza-lo a um espectro maior da sociedade. Em parte essas coisas são resolvidas com a reprodução acessível, em excelente resolução, utilizando o aparato da digital-informática.

5. Quando desenha, o que vc. tenta expressar?
A sensação vem ocupando todos os espaços. Ao chegar em momento de pouca inspiração, os espasmos iniciais precisam ser imediatamente registrados em traços rápidos. Adiante será importante para retomar o ato descontinuado. Se vem de forma incompleta, a própria insatisfação trata de substitui-los. Quando incessante, vem incendiária, pronta. O primeiro traço já determina o rumo de todo a obra. Foi o caso dos Correios, quando a ilustração encomendada seria para aplicação em um aerograma, junto a uma mensagem cifrada: tema nacional. No trajeto para casa ocorreu a elaboração virtual. Sentei no computador e o layout estava pronto. O longo caminho para a conclusão foi gasto na seleção de cores e acabamento. e estava o desenho executado.
Gostaria deste tipo de desafio permanente e por todo o Brasil.
Talvez, a incorporação de um Rugendas dos tempos globalizados.

sábado, 3 de dezembro de 2011

A gestão arquivística frente aos desafios da Inteligência Policial

A área que trata da gestão de arquivos, denominada gestão de documentos arquivísticos, pressupõe a existência de um fluxo da informação registrada em três fases, ou estágios: a) Arquivo Corrente (Primeira Idade); b) Arquivo Intermediário (Segunda Idade); e c) Arquivo Permanente (Terceira Idade). O chamado ciclo de vida documental, nesse sentido, é o princípio pelo qual a gestão deve ser orientada para o tratamento integral do acervo, sem fragmentá-lo com o perigo de perder a noção de proveniência (ou do Respect des Fonds).

Assim, esse fundamento deve orientar a gestão arquivística de qualquer instituição pública ou privada, de acordo com seus objetivos e funções. Um dos objetivos da gestão de documentos arquivísticos volta-se à tomada de decisão política nas instituições, e é esse aspecto a ser abordado nesse artigo. A gestão origina-se antes mesmo do documento virar um registro único, autêntico e orgânico. Deve-se, primeiramente, ressaltar o contexto no qual provém os dados.

No trabalho que realizei como requisito para minha formação em Arquivologia, pela UNIRIO, posicionei a discussão em torno do caráter interdisciplinar que essa área tende a possuir com a Ciência da Informação. O objeto pesquisado foi a gestão da informação arquivística na área de segurança pública do estado do Rio de janeiro, no período entre 2006-2010. Como hipótese, orienta-se como questão principal o fato de que a gestão da informação arquivística é parte essencial da tomada de decisão política na área de Inteligência Policial. Ou seja, não existe Inteligência Policial sem uma gestão arquivística eficiente e eficaz.

O atual discurso das autoridades públicas, não só do estado do Rio de Janeiro, como também do Brasil e do mundo, é que se deve agir com inteligência, sem deixar claro, no entanto, o que significa tal ato ou como dar-se-ia essa ação. Muitas experiências de combate ao crime organizado tem demonstrado poucos resultados efetivos, seja por equívocos na concepção, tratando o tema como um assunto de guerra (guerra ao narcotráfico) seja pela inexistência de sistemas de informação eficazes e eficientes.

Antes que se conceba um sistema de arquivo, deve-se elaborar um método no qual os dados coletados, mesmo que sejam para utilização operacional, tenham em vista uma perenidade que vincule os documentos às funções pelas quais foram criados. Portanto, o arquivo corrente origina-se a partir da infra-estrutura e das funções determinadas pelos objetivos da instituições. Assim, se os dados coletados não possuem sentido para o gestor arquivístico em um primeiro momento, o cruzamento e a análise desses dados potenciais, transformam-se em informação relevante quando devidamente registrados durante a atuação operacional.

O acervo documental disponível serve, de certa forma, ao conjunto instrumental mais amplo para o desenvolvimento de um sistema de inteligência. Como destacado por Mingardi (2007), "a informação disponível é geralmente insuficiente e/ou contraditória", portanto, existe a necessidade de recorrer ao conjunto documental produzido e acumulado pelos órgãos de inteligência para tornar o trabalho de investigação mais eficaz e eficiente.

A Inteligência Policial é uma atividade que se orienta a partir desses cruzamentos e análises, e isso só pode se tornar factível se houver uma produção correta do arquivo corrente. Portanto, os dados coletados do campo, pela ação de Inteligência, transformam-se em informação relevante e a partir disso, em conhecimento para a tomada de decisão. É uma primeira etapa de formação do que será constituído como um arquivo corrente.

As análises estatísticas e probabilidades convergem com as perspectivas traçadas com o planejamento estratégico da Subsecretaria de Inteligência. Inserido nesse planejamento estratégico estaria da gestão de documentos arquivísticos, ou melhor da gestão da informação arquivística.

Dessa forma, no âmbito do planejamento estratégico mais amplo, esse empreendimento deve dedicar-se não só à aplicação de sistemas de informação eletrônicos, mas também à elaboração de um conjunto de léxicos e thesauri, com o intuito de recuperar a informação sintetizada pelos analistas. Completa-se, assim, o ciclo de vida da informação arquivística, com as fases Intermediária e Permanente. Fecha-se o ciclo, finalmente, com a produção de instrumentos que possam auxiliar os tomadores de decisão na formulação de políticas públicas.

sábado, 9 de julho de 2011

Acervo digitalizado da National Public Radio, dos EUA

Leia matéria publicada no The Boston Globe, em 9 de julho de 2011, sobre a digitalização do acervo audiovisual da National Public Radio.

http://www.boston.com/ae/tv/articles/2011/07/09/wgbh_builds_boston_tv_news_archive/?camp=misc%3Aon%3Ashare%3Aarticle

quarta-feira, 30 de março de 2011

Eschelon: a rede de inteligência das grandes potências

Em seu site, VI O MUNDO, Luiz Carlos Azenha faz uma pequena análise da trilogia do especialista em política internacional, Chalmers Johnson, e publica um excerto do livro The Sorrows of Empire que fala sobre a rede de troca de informações ultra-secretas, chamada Eschelon, entre os países anglo-saxões.

Disponível em:

Um leitor, comentando o assunto, indica o endereço eletrônico de um grupo formado por pesquisadores especialistas que defendem as liberdades civis na Web. Especificamente sobre o Eschelon, acesse:

segunda-feira, 28 de março de 2011

Cybersecurity

O expert do Institute for Information Infrastructure Protection, do Dartmouth College, Charles Palmer diz que, assim como em outros recursos digitais voltados à infraestrutura, os programadores de TI praticamente não consideram os usuários quando da elaboração de processos de design digitais para ferramentas de cybersecurity.

Disponível em:
http://www.thei3p.org/docs/news/newsletter12-10.pdf

Leia também sua entrevista para a BankInfo Security.
Disponível em:

Iº Congresso Brasileiro de Paleografia e Diplomática

Acesse o link para maiores informações e inscrição.

sábado, 26 de março de 2011

Exposição no Arquivo Nacional

Registro de uma guerra surda

Entre 1964 e 1985, o Brasil viveu sob um regime de exceção que se apoio fortemente em uma legislação autoritária, em um abrangente sistema de vigilância e repressão, e ações extra-oficiais contra opositores do regime, representadas por prisões ilegais, torturas, mortes suspeitas e desaparecimento. Durante o período, grande quantidade de documentos foi produzida pelos órgãos oficiais de repressão política, como sumários informativos, fichas de polícia técnica, relatórios de atividades daqueles considerados "subversivos", fotos de atividades "suspeitas" e pareceres da censura.

Hoje, essa documentação encontra-se guardada no Arquivo Nacional e também em arquivos regionais Brasil afora. O projeto Memórias Reveladas, que busca organizar e divulgar estes acervos e manter viva a memória deste período, traz a público a exposição Registros de uma guerra surda, uma amostra não apenas da documentação oficial, mas também daquilo que foi produzido por órgãos de imprensa e organizações que se dedicavam a combater o regime.

Trecho disponível na Página do Arquivo Nacional. Saiba mais sobre o evento em: http://www.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm

terça-feira, 8 de março de 2011

O Paradigma do Acesso Livre

Uma ampla e profunda discussão toma conta da produção científica internacional, a proposta formulada pelo Movimento do Acesso Livre. Esse Movimento preconiza que toda a produção científica seja acessível de forma irrestrita, não só pelo público especializado, mas também por todo o cidadão que deseja simplesmente buscá-la. Em uma verdadeira mudança de paradigma, o tradicional modelo de comunicação científica seria abalado em suas estruturas políticas e legais.

O aprofundamento da globalização, causado por uma maior liberalização econômica e maior intensidade das inovações tecnológicas a partir da década de 1990, abalou as grandes fontes de informação científica, que são os periódicos. Dominadas basicamente pelos países centrais do sistema internacional de poder, principalmente por agências científicas norte-americanas, esses periódicos tiveram que se adequar à uma nova realidade geopolítica e econômica. Antes tornadas acessíveis aos países periféricos somente por meio de vultosos recursos, mormente públicos, essas fontes passaram a buscar alternativas para suprir o decréscimo na demanda por seu conteúdo.

Tudo começou em fins do século XX, quando a função primordial de comunicar trabalhos científicos deixou de ser um atributo de instituições públicas comprometidas com o democrático direito das sociedades em se beneficiarem do conhecimento produzido em suas hostes, para dependerem dos limites impostos por um mercado do saber, medidos por meio do estabelecimento de preços. Impôs-se, com isso, um gap informacional, consolidando ainda mais a diferença entre pobres e ricos, ou melhor definindo, entre incluídos e outsiders.

As barreiras impostas pelos altos preços dos periódicos, limitam a divulgação dos trabalhos científicos brasileiros, assim como as consultas necessárias aos cientistas para o crescimento científico e tecnológico das instituições acadêmicas, em particular, e para o desenvolvimento do país em geral. Tradição que poderia ser quebrada pelos possíveis usos que se fazem das tecnologias da informação e da comunicação - TICs, principalmente por meio de seu maior fenômeno, a Internet, em que a informação é disseminada just in time em suas versões on-line.

Nesse sentido, um amplo movimento tomou forma, pelo acesso livre e irrestrito à informação produzida pelas organizações de pesquisa, o que abriu a possibilidade de se discutir um novo paradigma em termos de produção, divulgação e acesso à informação e ao conhecimento. Um processo político que emerge no bojo da discussão sobre a Sociedade da Informação, em meio ao surgimento de novos atores a partir da relativização dos poderes constituídos e de uma maior participação da sociedade civil nos destinos da humanidade. O Brasil demonstra grande maturidade no desenvolvimento de programas relacionados ao Movimento, ocupando atualmente o quarto lugar entre os países que mais estruturaram repositórios de acesso livre, como bem demonstra a iniciativa do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia-IBICT, ao lançar seu portal de divulgação científica, o CanalCiência.

Toda essa prática na busca por interesses comuns e universais possui um significado que vai além da técnica, alcançando o arcabouço cultural e, por isso, mais abrangente. Processo que exige programas de gestão mais profundos e orientados por iniciativas pedagógicas claras para que a informação possa efetivamente ser apreendida como conhecimento socialmente transformador.

Organização política e usos das Redes Sociais

Nos últimos anos testemunhamos um uso mais intensivo das tecnologias da informação e da comunicação - TICs, por parte de movimentos sociais para a contestação política no interior das nações. Mas os usos das TICs são muitas vezes mal compreendidos pela imprensa, que superestima o papel das redes sociais digitais no âmbito das principais manifestações ocorridas nas duas últimas décadas.

Na realidade, esses espaços digitais são sub-produtos oriundos da soma do desenvolvimento das TICs com iniciativas de organizações políticas de base que tenham a possibilidade de contar com um suporte de comunicação digital. Sabe-se que a Internet ainda não se configura como um meio de comunicação de massa, restringindo-se às sociedades mais desenvolvidas, embora continue a crescer a taxas altíssimas, principalmente entre os países em desenvolvimento. A questão é que, em qualquer situação na qual haja necessidade de organização política com uso de redes sociais digitais, é primordial que haja acesso aos suportes de comunicação da informação. Do contrário, poderá haver, no máximo, a divulgação de iniciativas políticas em andamento, mesmo assim, para aqueles que possuem acesso às redes sociais digitais. Nesse sentido, pode-se dizer que essas redes podem contribuir mas não determinar transformações radicais de regimes políticos ou formas de governo.

O final do último milênio foi palco da primeira grande manifestação social apoiada com o uso das TICs. Em 1999, ocorreu em Seattle uma manifestação contra a reunião da Organização Mundial do Comércio-OMC, que ficou conhecida como a Batalha de Seattle. O mais marcante é que, pela primeira vez, uma manifestação foi totalmente organizada com a utilização de redes sociais digitais. Mais importante do que constatar isso, é que está se falando de um movimento ocorrido em uma sociedade desenvolvida social e economicamente, situada em um país de alta performance no desenvolvimento das TICs e com alto índice de inclusão digital.

Nesse caso, existe uma relação direta entre a mobilização política e o acesso à informação, que pressupõe necessariamente, que haja acesso a um suporte de comunicação digital e, principalmente, ao TCP/IP (Protocolo de acesso à Internet). De um modo geral, a organização para a mobilização política independe do tipo de suporte utilizado para tal. Podendo ser mesmo fruto do boca-a-boca entre integrantes de determinada coletividade disposta a transformar um contexto qualquer. A diferença básica é que as redes sociais digitais dão velocidade à tomada de decisão e flexibilizam as ações do grupo, ajudando a mudar rapidamente suas estratégias.

Por outro lado, em um contexto onde não existe tal disseminação das TICs, notadamente nos países periféricos do sistema internacional de poder, a tal da mobilização política via redes sociais digitais, é pouco provável. Os atuais casos envolvendo os países muçulmanos apresentam várias gradações e especificidades em relação à forma como surgiram. No Egito, por exemplo, acredita-se que sejam muito mais fruto da mobilização oriunda das atividades comunitárias desenvolvidas nas mesquitas, do que das dinâmicas promovidas nos espaços digitais. Se essa mobilização foi determinada pelas redes sociais digitais, é outra história, e muito pouco provável que tenha ocorrido. O mesmo, de certa forma, pode ter acontecido nos outros países do norte da África e do Oriente Médio.

Portanto, a análise com relação aos usos da Internet e de seus sub-produtos, as redes sociais, deve ser cuidadosa, levando sempre em consideração o contexto social e político nos quais são pensados e organizados. As TICs são aéticas e não nascem do nada, mas da iniciativa e de relações que se dão no mundo real, concreto e ideológico.