Nunca antes na história publicou-se tanto sobre as relações entre Segurança Nacional e Democracia. Os recentes casos noticiados de vazamentos de informação sigilosa, das principais agências governamentais ligadas à Diplomacia e à Espionagem, aprofundou um assunto que permanecia nas sombras. Pelo simples fato de ser um direito do Estado manter em sigilo informações diretamente ligadas às negociações internacionais e às investigações sobre iminentes ou possíveis ameaças à segurança de um país. Os casos Julien Assange, Bradley Manning e Edward Snowden sobre transações obscuras tecidas nos salões governamentais internacionais, assim como a utilização de artifícios para a coleta de dados de cidadãos nacionais, sem o consentimento ou a cooperação dos mesmos, por parte desses mesmos governos, trazem à luz questões caras aos próprios argumentos que dão sustentação a um sistema democrático. Cabe lembrar que essa situação só foi possível porque ocorreu em um sistema que se diz democrático, ou que pelo menos, legalmente, é apresentado como tal, como o dos Estados Unidos da América (EUA).
Como citado por Josselyn Radack, Diretora de segurança nacional no Projeto de Transparência do Governo, “Snowden pode ter violado um juramento de sigilo que é menos importante que o contrato social que uma democracia tem com os seus cidadãos”.
Aqui reside um dos grandes dilemas do atual sistema que se pretende democrático. Como manter padrões mínimos de democracia, com as potenciais ameaças à segurança nacional?, e, ao mesmo tempo, como conceder segurança ao Estado e à sociedade, sem ferir garantias democráticas? Não é de hoje que os EUA investigam seus próprios cidadãos. Lembrem-se da Caça às Bruxas de Joseph McCarthy, nos anos 1950, com sua cruzada anti-comunista! Nesse período, o ex-Senador perseguiu, acusou sem provas, julgou e executou centenas de pessoas que apresentassem qualquer sinal de ligação com a ideologia comunista. Para tanto, processos investigativos eram conduzidos pelo Federal Bureau of Investigation (FBI), sob o comando de J. Edgard Hoover. Um dos casos mais famosos e polêmicos, foi o da acusação e condenação à morte por espionagem e traição aos EUA, do casal Julius e Ethel Rosenberg. O que levou o atual Governo a se retratar, sem muita comoção, sobre o evento. Esse caso, apesar de estar extensamente publicado no sítio do FBI, em momento algum aponta provas concretas de que o casal tivesse passado informações sigilosas sobre o Programa Nuclear estadunidense aos soviéticos. Para muitos, os Estados Unidos não aprenderam nada com o episódio.
Como aponta a historiadora Ellen Schrecker, especialista em macarthismo da Universidade Yeshiva, em Nova York: “Hoje, o medo do terrorismo guia a repressão política como o medo do comunismo fez antes”, […] Políticos e jornalistas continuam permitindo a violação dos direitos humanos”.
Usos e abusos da informação
Os recursos de comunicação há muito vem
sendo utilizados não só como ferramenta de troca, mas também como instrumento
de controle e investigação policial. O problema é que nem sempre a privacidade
dos cidadãos é respeitada. Atualmente, o que mais interessa em relação à
utilização dos recursos de comunicação, são os usos que são feitos da
informação. Dessa forma, os usuários passam a ser o alvo de investigações
através das formas de uso da informação. A Constituição estadunidense, que
garante a liberdade é violada a todo
momento pelas demandas provenientes dos órgãos de segurança, como FBI, Central
Intelligence of America (CIA), National Security Agency (NSA) etc.. O último
caso de dados acessados e utilizados pelo Governo para monitorar os cidadãos
norte-americanos, foi o da Verizon. Revelou-se que essa empresa, assim como
outras, como: Google, Yahoo!, Facebook etc., tem parcerias com o Estado para
ceder as bases de cadastros quando solicitadas pelo Governo. Portanto, sem
autorização dos usuários, o Governo infringe a Primeira Emenda, assim como fez
nos 1950, quando o FBI grampeava telefones como recurso investigativo.
Atualmente, as tecnologias são voltadas para o monitoramento da dinâmica social
por meio das bases de dados e redes sociais, sob a interface homem-máquina. As
tecnologias disponíveis aos órgãos de segurança impõem o controle e, o comando,
não às máquinas, mas aos seres-humanos. Sistemas de comunicação da informação
sobre os cidadãos, na forma de cadastros e bases de dados, são invadidos e
“sequestrados”, tanto por inimigos da Nação quanto pelas próprias agências de
inteligência do Estado. A Guerra Cibernética não é só entre inimigos internacionais,
mas entre Governo e cidadãos.
A segurança nacional é severamente
impactada com a emergência de “ameaças difusas”, sem origem definida. Ações de
grupos terroristas, ou considerados como tal; e os do crime organizado transnacional,
utilizam-se das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (NTICs) para
expandir seus negócios. A Globalização engendra novos desafios ao Estado.
Inerente a esse processo, encontra-se o modelo de Ciência e Tecnologia que vem
sendo implantado nos laboratórios e aplicados ao redor da Aldeia Global.
Paralelo ao discurso da Liberdade de Expressão, encontram-se outros valores que
limitam essa liberdade à um grupo fechado de corporações privadas e governos
centrais. Muitas vezes a primeira coopta a segunda, forçando o Estado a incentivar
projetos que só levam benefícios à uma elite, em detrimento do cidadão comum.
Recentemente, novas invenções, publicadas em jornais de grande circulação, dão
conta do desenvolvimento de tecnologias que já fazem parte do hall das tecnologias militares. É a
Teoria Cibernética sendo cooptada (ou privatizada) sobrepondo-se às
necessidades mais básicas dos seres-humanos? Diversos projetos vem sendo
colocados em prática em universidades pelo mundo, como o de controle de helicóptero
com a força do pensamento, da Universidade de Minnesota, ou a tecnologia da
invisibilidade, na Universidade de Rochester (Nova York). Quem se utilizará
primeiro dessas tecnologias? Será que essas experiências trarão benefícios para
a sociedade, convergindo com os ideias democráticos? Ou será que a “segurança
da nação”, entendida como privilégio às elites econômico-político-militares,
estará acima dos princípios democráticos? Cabe destacar que a segurança
nacional é primordial para a preservação da soberania dos países. Um direito,
principalmente dos mais fracos, na defesa contra os mais fortes. Entretanto, a
Ciência e a Tecnologia torna-se a grande válvula de escape às pretensões dos
Falcões do Pentágono em associação aos Neo-conservadores, na política, para
expansão de seus interesses, muito mais do que os interesses de grande parte da
sociedade estadunidense. A técnica domina a política e automatiza as relações
sociais, colocando o cidadão comum como objeto da ação e não como ator, que
demanda necessidades. Das invenções tecnológicas elaboradas nas universidades e
implementadas por projetos militares, surgem os mecanismos de controle
ideológico dos cidadãos, pautados pelas necessidades de grupos ligados à agenda
de segurança nacional. Voltando aos anos 1950, Dwight Eisenhower pronunciou um
famoso discurso, no qual enfatizava os perigos impostos à liberdade
democrática, em não controlar o crescimento de um complexo industrial-militar.
Parece que não foi ouvido. Hoje, esse Complexo dá as cartas e coopta a Política
(com P maiúsculo), desestabilizando condenando o sistema democrático
estabelecido.
A segurança nacional é um dever do Estado em relação à proteção de suas
infraestruturas e da sociedade contra ameaças externas e internas. No entanto,
o modelo de segurança que vem sendo implantado, privilegia uma “casta” que
comanda um sistema pautado no complexo industrial-militar. Um fenômeno que não
se restringe aos EUA, mas é conduzido principalmente por eles, pela própria
condição de maior potência industrial-militar do mundo. Nesse sentido, a
produção técnica se sobrepõe às necessidades da sociedade norte-americana no
que tange às regras básicas de convivência. As instituições estatais, que
deveriam responder ao real significado da noção de segurança, se utiliza de
ferramentas tecnológicas baseadas no controle, para monitorar seus cidadãos. As
NTICs invadem a privacidade do indivíduo e conformam a política nacional,
objetivando a elaboração científica e a aplicação de tecnologias completamente desgarradas
das necessidades da sociedade. A relação homem-máquina ganha perigosos
contornos, dominando o ambiente e transformando o ser-humano em bits e bytes. Na raiz do dilema contemporâneo está a valorização de perspectivas
já superadas cientificamente, que abordam questões sociais e humanas sob o
enfoque da Biologia e da Técnica. Transforma a arena Política em espaço de
controle dos corpos e das mentes (Biopolítica). O que induz grande parte da
coletividade a assentir para qualquer iniciativa que promova ações militares,
invasões de países, e a busca pelo inimigo da vez.